Galeria A da Fundação Cultural
Brasília, 1986

Agora, em 2022, pesquisando meus arquivos para a construção deste site, percebi que não tenho nenhum registro desta exposição, senão o seu próprio folder: de um lado a pintura do retrato de uma mulher olhando o mundo com as mãos cruzadas sob o queixo e, do outro lado, minha foto, na mesma posição, sobreposta por pinceladas em nanquim que simulam as linhas escuras do quadro. De fato, esta foi uma exposição de retratos femininos que realizei a partir de esboços feitos nos mais diversos locais do meu cotidiano. Diante desta lacuna, resolvi fazer uma breve crônica autobiográfica:

Em 1981 fui selecionada para expor na galeria Macunaíma da Funarte-RJ via apresentação de portfólio, prática iniciada então para ampliar o acesso de jovens artistas, bem como romper a hegemonia do eixo Rio/São Paulo. Conversando com o curador na montagem da exposição, a certa altura, ele me disse que o problema de selecionar jovens artistas mulheres é que, embora muito talentosas, pouco tempo depois elas se casam, têm filhos e somem. Tímida, fiquei quieta, embora indignada.

Alguns anos depois, já tendo meu primeiro filho, nascido em 1986, revi este tema num documentário sobre a artista Tomie Ohtake num canal de tv por assinatura. Questionada sobre ter iniciado sua carreira aos 40 anos, com toda a sua serenidade (e talvez subserviência feminina) oriental, a artista explica que começou a pintar quando jovem, porém, depois de se casar e ter filhos decidiu que só voltaria à atividade artística quando eles estivessem criados.

Assisti a esse documentário por volta das 22:00 horas, eu estava exausta das tarefas diárias: filho pequeno, ministrando aulas à tarde e à noite, com breves escapadas ao ateliê, que antes eu frequentava numa imersão diária. Dei uma cochilada, mas, sem perder o fio da meada, terminei de ver o documentário e fui tomar um copo d’água antes de ir dormir. Quando olhei para o relógio da cozinha eram quatro horas da manhã. Eu dormira seis horas no sofá e, quase sem hiato, terminara de ver o documentário sobre a artista na reprise da programação, normalmente feita de madrugada nestes canais.

Espantada com esse lapso temporal, voltei ao sofá como a um divã e me lembrei da sentença do curador da Funarte. Para não chorar, comecei a rir e pensei que na melhor das hipóteses eu faria o mesmo que Ohtake, só que com toda aquela ansiedade ocidental que sentia. Fato é que a partir de então tive hiatos intermitentes de produção artística ao longo do tempo. Passei a me dedicar à vida acadêmica, em particular à prática e à discussão do ensino de arte, que prazerosamente sempre me intrigaram, e, maravilhada, vi meus dois filhos crescerem. No entanto, é certo que, além do incentivo aos jovens e da ruptura de hegemonias regionais, a questão feminina na arte, e no mundo do trabalho em geral, também é uma questão cultural pendente.

(Brasília, 8 de  março de 2022 – Para a artista Mariana Destro)