Galeria A da Fundação Cultural
Brasília, 1981

Mais acima ou mais abaixo, um horizonte se marca com decisão no retângulo da tela. Dividida por estas linhas, duas enormes superfícies de cor que a trama de pinceladas não alcança esfacelar. Uma personagem (raramente duas) se introduz neste espaço bidimensional que infunde a apatia, o vácuo e a solidão. Próxima ao grotesco mas recusando o anedótico da caricatura, essa personagem repousa, faz malabarismos, representa, joga, vive: é um saltimbanco. E a apatia, o vazio e a solidão se transvertem, armando-se um embaraço interpretativo. Tudo como se numa cidade neutra, superestrutural, isenta de compaixão, soasse o grito que denuncia a víscera. Ao contrário do espaço que pretende segregá-la, a figura não se isenta. Quer-se sujeito. Para agir, brincar ou, por pouco que resolva, para declamar. Concebida como impartível, ela tem consciência de que o correto é uma falácia, o impecável não passa de um álibi, a irrepreensão uma forma disfarçada de poder. Protesta. Rompe o tolhimento; move-se com gestos que o impulso originou. Com sua dúvida, misturada a gana de viver, a personagem destempera e contamina a austeridade do cenário que lhe foi destinado. Corrompe-se a majestade do símbolo que todos deviam idolatrar.

Nos quadros de Terezinha Losada, pintora, creio eu, típica de Brasília, vislumbro o triunfo do sujeito contra o sistema. Ainda que este sujeito se mostre in fieri; ainda que aquele triunfo seja apenas uma virtualidade.

No caso de que a ‘obra de arte’ se avalie pela capacidade de estimular a nossa imaginação, ao revelar uma experiência e ao dilatar a nossa expectativa frente ao real, então reconheço que daqui por diante tenho de levar em conta a existência de Terezinha Losada. Mais: se o perigo maior, no ‘exercício artístico’ de uma terra colonizada, consiste em oscilar entre folclorismo, cézannismo e vanguardismo, o esquivar-se desse risco, quer pelo deixar fluir as dúvidas – o que me parece característico da geração que se formou na Novacap –, quer por seu pessoal inconformismo com o posto e o assentado, já é hora de fazer de Terezinha Losada menção obrigatória…

(João Evangelista de A. Filho, Correio Braziliense, 23/08/1981)